Por Gilberto Cruvinel
Da Folha - 01/01/2012
Juca Varella/Folhapress
Antônio Sérgio Ribeiro em sua casa, perto de Cotia (SP), diante de algumas revistas de sua coleção
MARCO RODRIGO ALMEIDA
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Antônio Sérgio Ribeiro nunca estampou seu nome na capa de um livro, mas não seria exagero dizer que muitos não existiriam sem ele.
Para avaliar a contribuição desse servidor público de 52 anos, basta folhear as páginas de agradecimento de alguns dos principais best-sellers dos últimos 16 anos.
Na de "O Homem que Matou Getúlio Vargas" (1998), por exemplo, Jô Soares cita a "a colaboração inestimável" desse "verdadeiro arquivo vivo de Getúlio Vargas, Carmen Miranda e outras incontáveis informações".
Serginho, como é conhecido, também recebeu elogios em "Olga" (1985), "Chatô - O Rei do Brasil" (1994), "Carmen: Uma Biografia" (2005), "Corações Sujos" (2000) e "Maysa" (2007) -só para citar os de maior sucesso.
Romances históricos ou biografias, para todos Serginho forneceu dados, fez pesquisas, ajudou a localizar documentos e imagens ou a apontar erros de apuração.
Diretor do Departamento de Documentação e Informação da Assembleia Legislativa de São Paulo, Serginho começou sua carreira de "arquivo vivo" aos 14 anos, por causa de Carmen Miranda.
Para um trabalho de escola, precisava descrever a vida de alguma personalidade do país. Escolheu a cantora, mas quase nada encontrou sobre ela. Resolveu, então, montar seu próprio acervo, iniciado com um disco da artista.
"Aí você começa e não para mais. A Carmen viveu de 1909 a 1955. Nasceu em Portugal e veio pro Brasil. Mas veio em que navio? Por coincidência, ela estourou em 1930, ano em que Getúlio assumiu o poder. Então já viu, né? Da Carmen fui pra Getúlio e depois pra todos os ramos, pro resto do mundo."
Os interesses múltiplos do pesquisador ficam guardados num terreno de quase 3.000 m² próximo de Cotia (na Grande SP), onde vive com a mãe, Antonietta, 80.
Ele tem ali 5.000 livros, mil LPs, mil filmes em VHS ou DVD. Fora as coleções quase completas das revistas "A Noite Ilustrada", "O Cruzeiro", "Revista do Rádio", "Seleções", "A Carioca".
BARSA
Visitar o local, como a Folha fez no fim de novembro, pode ser tão prazeroso e extenuante quanto tentar ler a coleção Barsa numa única tarde. Para cada um dos objetos, Serginho tem na ponta da língua centenas de histórias. Antes de conseguir absorver pelo menos parte do que ouve, o visitante já tem a memória testada.
"Sabe qual foi a primeira lei do nosso país?", pergunta ele, após mostrar os mais de mil volumes da série "Leis do Brasil". Constrangido, o repórter diz que não e logo recebe uma aula.
"Foi a abertura dos portos, em 1808. Mas, atenção, dom João era príncipe regente quando assinou o decreto. Só virou rei em 1816, quando morre a rainha dona Maria 1ª." Após a explanação, completa: "Eu sou chato mesmo, adoro detalhes".
Como exemplo, lembra que passou dias tentando identificar quais eram as quatro pessoas que apareciam no estribo do carro do então presidente Washington Luís em uma fotografia de 1930. Vasculhando uma edição de "O Diário Popular" da época, descobriu que um deles era justamente um futuro presidente: o então tenente Arthur da Costa e Silva.
Carros presidenciais, por sinal, são outra das especialidades de Serginho. Na coleção de 20 automóveis que mantém num galpão, há três que passaram pelas mãos de governantes. O mais raro é um Lincoln Cosmopolitan, de 1950, feito especialmente para o presidente americano Harry Truman (1884-1972).
"Este carro veio para o Brasil em 1954. Era usado exclusivamente pela segurança de Getúlio, inclusive o Gregório Fortunato [chefe da segurança do presidente] andou nele. O carro foi usado até 1968. Existem só nove carros destes no mundo...", conta, e segue por mais algum tempo.
O volume de objetos acumulados desde o LP da Carmen pode dar a impressão de que Serginho é milionário, ou pelo menos bem perto disso.
Embora ele não ganhe mal, a explicação é mais simples: Serginho praticamente não tem outros interesses além de suas pesquisas e coleções. Não tem filhos, nunca foi casado, não bebe, não fuma e pouco sai de casa. Também nunca cobrou pelas pesquisas que fez para escritores. "Faço porque tenho prazer."
Nas horas vagas, escreve há anos seu próprio livro, espécie de tratado com "todas as coisas que você sempre quis saber sobre Carmen e não encontrava" -mas que ele, é claro, sabe de cor.
Além da memória prodigiosa, conta ter um "sexto sentido" apurado. Uma vez, viajando de avião, teve um pressentimento. "Senti que ele não iria decolar. No meio da pista, realmente abortaram a decolagem, acredita?" E alguém ainda duvidaria?
Reprodução da página da `Ilustrada´ de 05/08/1978 que trazia matéria sobre Serginho, então com 18 anos, e sua coleção sobre Carmen Miranda, que já incluia 101 partituras originais de música, o primeiro disco da cantora e uma foto rara dela aos 4 anos.
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