quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Luz do sol nas entranhas do Poder Judiciário



Sob o título "O Judiciário em questão", o artigo a seguir é de autoria de Wadih Damous, presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro.

Muito se tem falado da existência de uma crise no Poder Judiciário, afirmação negada e minimizada por seus dirigentes. Estaria em curso, efetivamente, uma crise naquele poder?

Se a acepção adotada for a de ruptura, de desmoronamento institucional, de superação, a resposta, decerto, será negativa. Não se trata, nos debates atuais, de questionar a concepção ontológica do Judiciário ou os elementos básicos que o conformam como um dos poderes soberanos da República.

O que se questiona é o seu funcionamento e o modo pelo qual o poder é exercido. Corporativismo exacerbado; falta de transparência dos seus atos;  não prestação de contas à sociedade; impunidade dos desvios de conduta dos seus membros; má gestão; péssima prestação de serviços são algumas das características essenciais do modelo de funcionamento da Justiça. Esse modelo, sim, está em crise.

O fator fundamental de seu desencadeamento foi a criação e a atuação do Conselho Nacional de Justiça, órgão constitucional, de controle interno, concebido  para enfrentar as distorções aqui apontadas, em especial na esfera disciplinar.

A tal crise ganhou  forma de embate entre os que defendem a competência concorrente, em face das corregedorias regionais, do CNJ e os que sustentam a competência meramente revisora do órgão de controle nos processos disciplinares que envolvam magistrados.

A consolidação institucional do Conselho Nacional de Justiça vem sendo intensamente posta à prova nos últimos meses. Animadas por uma declaração da Corregedora Nacional de Justiça obviamente retirada de contexto e amplificada – acerca da existência de “bandidos de toga” – as Associações de Magistrados iniciaram e vêm mantendo um ataque feroz ao limite das competências do Conselho, com a clara intenção de enfraquecer sua atuação.

Até recentemente, a disputa vinha sendo travada no plano corporativo, o que justifica, até certo ponto, o extremismo de alguns argumentos e o caráter defensivo das entidades que representam a classe foco da atuação do CNJ.

Esse debate, que, tirando alguns argumentos exagerados e defesa pura de posições corporativas, andava equilibrado e profícuo, foi desestabilizado por duas decisões monocráticas proferidas pelo STF no último dia no ano judiciário de 2011.

A primeira, e mais relevante, foi proferida pelo Ministro Marco Aurélio. Em suma, a decisão suspende a eficácia de quase todas as disposições da Resolução nº 135 do CNJ, a qual regulamenta o processo disciplinar perante o Conselho. O ponto central da decisão é a fixação do entendimento segundo o qual a competência do CNJ, em matéria disciplinar, é subsidiária ou recursal com relação à das Corregedorias locais.

A segunda, proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski, paralisou a investigação que estava sendo realizada com base em informações de movimentações financeiras de magistrados e servidores fornecida pelo COAF, a pedido do então Corregedor Nacional de Justiça, Gilson Dipp, e entregue no início do ano de 2011, já na gestão da Ministra Eliana Calmon.

A histórica decisão do Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a competência originária do CNJ, baseada em sólidos fundamentos apresentados pela maioria dos ministros coincidiu com os anseios da sociedade brasileira que clama por um Judiciário eficiente, ético e democrático

Resta a segunda decisão, proferida pelo Ministro Lewandowski, que, a meu juízo, também merece criticas. Em suma, o Ministro suspendeu a investigação da Corregedoria Nacional de Justiça acerca da movimentação atípica de quase 1 bilhão de reais por membros do Judiciário, nos últimos dez anos. Fundamentou essa decisão na mera possibilidade de quebra de sigilo bancário e fiscal.

A ministra Eliana Calmon já esclareceu, inclusive publicamente, que não houve quebra de sigilo ampla e genérica, tal como alardeado pelas Associações de Magistrados e acatado pelo Min. Relator. Assim, essa decisão, até que seja apreciada pelo Colegiado, impedirá a apuração de fatos potencialmente gravíssimos, tais como a movimentação de quase R$ 283 milhões por apenas uma pessoa ligada ao TRT-1, episódio que, em tese, pode se configurar na maior irregularidade já constatada no Poder Judiciário Brasileiro.

Esse fato, por si só, demonstra a essencialidade do CNJ como órgão neutro de controle do Poder Judiciário, bem como o caráter antirrepublicano das iniciativas que visem a diminuir seu poder institucional de atuação, especialmente no que toca aos eventuais desvios éticos dos magistrados.

O Presidente do Supremo Tribunal Federal, em contundentes declarações afirmou que a degradação do Judiciário não interessa à democracia; que as pressões sobre a Justiça configuram autoritarismo; que os milhões de processos em tramitação mostram a confiança do povo no Judiciário e enalteceu-lhe as excelências na prestação de serviços.

Parece-me que o que degrada o Poder Judiciário, além das mazelas antes apontadas, são episódios como as tais movimentações milionárias “atípicas”, a auto concessão administrativa de direitos com retroação, que muitas vezes proporciona pagamentos milionários aos magistrados; vantagens pessoais que acrescidas aos  vencimentos ultrapassam o teto constitucional; venda de férias por parte de juízes e a não explicação pública a respeito desses casos. Prefere-se clamar por sigilo e não por esclarecimento.

Autoritarismo, na verdade, é não aceitar e repudiar as críticas que são feitas diante de casos como esses. O fato de existirem milhões de processo em tramitação mostra mais que o povo acata o princípio de que não se deve fazer justiça com as próprias mãos do que propriamente confiança. Aliás, recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas revela exatamente o contrário: mais da metade da população não confia no Poder Judiciário.

É de se esperar que a decisão do Supremo Tribunal Federal, já referida e esses dados irrefutáveis acerca de como a sociedade percebe o Judiciário sirva para uma ampla reflexão de seus mandatários e da magistratura em geral sobre esse modelo de funcionamento da Justiça, ora em vigor, fundado em acentuado corporativismo e distanciamento da sociedade.

Que se deixe entrar a luz do sol nas entranhas do Poder Judiciário. A Democracia agradece.

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