quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

PT não surgiu da onda marxista do socialismo veio da luta sindical de resultados


imagem de Joaquim Aragão

Chegou o momento onde não posso mais me calar, até porque se trata de uma assunto que tange minha atividade profissional (política e financiamento de infra-estruturas)

Primeiramente, temos deixar claro o que é o PT e seu programa: trata-se de um partido, de esquerda, muito original. Ele não surgiu da onda marxista do socialismo, e sim de uma luta sindical "de resultados". Em uma época onde o socialismo "real" naufragava moral, ideologica, politica e economicamente, ele serviu de bote de salvação para muitos socialistas, que vinham na iniciativa de Lula, o operário, um espaço para a continuidade da luta socialista, impregnada de sua vertente estalinista (comando estatista da economia), mesmo fazendo críticas ao socialismo real "ortodoxo" e "anti-democrático".
>E, claro, execendo sua ascendência intelectual sobre os sindicalistas "praticistas", os náufragos do marxismo conseguiram em um primeiro momento impor ao PT um discurso socialista tradicional (anti-mercado, a favor de um Estado forte). Melhor dizendo: achou que conseguiu. Pois desde início o Lula deixou claro sua visão "resultadista": como mostra o filme sobre sua vida, sua atividade sindical surgiu da ala pelega, e foram necessidades de sobrevivência imediata dele e de seus companheiros que o levou a enfrentar a ditadura.Surgiu daí o mito, que os náufragos tentaram moldar à imagem de sua ideologia.
Como disse o próprio Lula, as derrotas sucessivas lhe ensinaram a radicalizar "seu pragmatismo", tomando o rumo não para a Estação da Finlândia, e sim para a "Carta aos Brasileiros", uma meia capitulação à ditadura financista global ainda com força total. O resto foi a prática da tradicional social-democracia keynesianista. Na
verdade, a ideologia do regime petista-lulista é o furtadismo, jabuticaba nossa!

Por essa ideologia, o papel do estado é estruturante, sim. Mas sua condução na economia não seria necessariamente anti-privatista, como prega o modelo estalinista de socialismo No que tange a idelologia marxista, há de se lembrar que o próprio Lenin incentivou a concessão de investimentos de infra-estrutura à iniciativa privada, que as exploraria por um tempo, nas condições e sob o comando da "ditadura do proletariado".

Ou seja, a visão inicial de socialismo de Marx nunca foi a estatização imediata de tudo, até porque segundo a doutrina marxista o fim da luta comunista seria a eliminação gradativa do Estado enquanto aparelho ditatorial acima da sociedade (esse é o grande erro de von Mises na sua apreciação do socialismo, que confunde todo o movimento com uma vertente). Mais importante do que a propriedade formal seria o efetivo comando das ações; e na medida em que o empreendedor capitalista´, segundo a visão de Marx, ainda não esgotara seu papel histórico de promoção do desenvolvimento das forças produtivas, a sobrevivência imediata desse modo de produção seria necessária, até que o proletariado se desenvolvesse e pudesse substituir o comando patronal por um comando social, dispensando empresário e Estado (chegar-se-ia, finalmente, ao nirvana comunista preconizado pela Teoria).

Até aí o que consegui aprender nos meus cursinhos de marxismo, que quase todo menino de boa vontade abraçou na minha época de juventude. Voltemos ao PT. Como disse, ele salvou os naufragos do socialismo (boa parte dos antigos comunistas pegaram o bote do neo-liberalismo), também ajudou os teólogos da libertação e toda uma restante fauna de críticos do capitalismo realmente existente). Mas na cabine do comando, o capitão eram os sindicalistas resultadistas, ponto final.
Quando chegaram ao poder, queriam antes de mais nada gerar emprego, tirar a economia do buraco, comprando de forma politicamente competente o consenso de parte de uma elite desnorteada e brigada entre si. E assim conseguiu emplacar vitórias  políticas sucessivas e prover um mínimo de dinamismo, aproveitando a boa maré da economia mundial. E como filosofia econômica, uma gororoba de receitas liberais, keynesianas e furtadistas. Nada mais do que isso. Nunca foram estadistas radicais e contrários ao mercado.

Quanto ao discurso anti-privatizante nas últimas eleições, foi oportunismo eleitoral deslavado, mesmo. E esse oportunismo foi necessário para vencer as eleiçoes (meta principal), dado o oportunismo de falso moralismo e falsa religiosidade dos tucanos. Elas por elas. Ganhando o poder, voltou o business as usual, especialmente de
tocar o investimento de infra-estruturas com os recursos públicos e privados disponíveis. Dilma, a gerentona de projetos de políticas públicas e de infra-estruturas, quer resultados, venham eles de onde vierem. Chorar "hipocrisia" do PT é coisa para vencidos.

O segundo ponto do meu texto (já está se tornando longo demais), começa precisamente aqui: até que ponto os que apoiam o atual governo têm de embarcar no choro de indignação contra a atitude "privatizante" da Dilma, fazendo coro justamente à oposição de direita, caindo feito patinhos nessa conversa?

Seguindo uma visão de esquerda, mas não  tão estreita como o estatismo estalinista, diria que a concessão de infra-estruturas pode ser um instrumento, sim, de política progressista. Pois se apropriam  capitais organizacionais do setor privado para que se atendam demandas urgentes de um desenvolvimento nacional socialmente progressista.
Vale lembrar que, mesmo se não fossem as generosas fontes do BNDES, o dinheiro "privado" dos bancos e investidores não é privado, e sim social: ele reflete monetariamente a geração de valor em um processo de produção cada vez mais complexo e socializado (mesmo sob comando de investidores privados). Portanto, mesmo que dinheiro viesse do "capital privado", não há nada mais correto do que canalizar esses recursos financeiros, que na verdade são sociais, para as necessidades infra-estruturais da sociedade, conforme planejado pelo Estado.

Mas onde fica a tal da "diferença" entre os tucanos, que se declararam novamente "roubados" em sua bandeira, e o governo petista? Primeiramente, a técnica do modelo regulatório é mil vezes superior do que do período fernandista. Quem entender um mínimo de Economia da Regulação e Teoria dos Leilões, irá compreender que o modelo petista é mais consequente para o interesse público, ao criar uma verdadeira competição.
Essa absolutamente não existiu no período fernandista: a par da roubalheira e do favoritismo deslavado que ficou agora patente pelo livro do Amaury, o objetivo do fernandismo era obedecer o ditado do Consenso de Washington da forma mais rápida possível, independentemente dos custos da sociedade.  A missão era "cumprir com o dever de casa", a mesma lição essa passada agora aos PIIGS europeus. Portanto urgia se desfazer, o mais rapido possivel, do ativo estatal, para emitir "bons sinais ao mercado". E dada a instabilidade macroeconômica ainda reinante, tiveram (ou gostaram) de fazer as concessões das mais absurdas para o contribuinte e o usuário, para que, por amor de Deus, alguém comprasse a prata da casa, mesmo que a preço de banana.

Por contraste, a política de concessões do governo do PT é mais orientada pelos reais interesses do País. Elas são extremamente competitivas e desenhadas conforme os objetivos da política governamental. Em função disso, as ofertas de dinheiro e as tarifas ofertadas são as mais generosas possíveis para o Erário e o usuário. Portanto, o resultado pode ser merecidamente festejado.

Isso não significa que o modelo seja ideal. Á parte dos espaços de malfeitos que ocorrem em todo processo administrativo nesse País abençoado por Deus e capturado pelo Diabo, um processo altamente competitivo desses pode levar a um fenômeno que a literatura especializada em concessões e PPP denomina a "maldição do vencedor" (the winner´s curse): o leilão aberto impõe que aventureiros entrem no pedaço e imponham mesmo a licitantes com experiência profissional e bom colchão financeiro ou uma proposta inviável ou a desistência. E aí começa a segunda parte da tragédia, que são as renegociações e chantagens permanentes.

Esse é um fenômeno geral muito discutido (e observado) na experiência internacional. Para contornar esse risco, vários países tem procedido a pré-seleções por etapas, ou a concentração em licitantes preferenciais (preferred bidders). Tal procedimento é ainda vedado na nossa legislação, até porque os juristas no nosso País irão considerá-lo como um ataque frontal ao princípio da isonomia. Pelo menos a maioria o vê assim. Claro, trata-se de um visão de juristas ainda fechada à realidade internacional e que foi construida ao longo de uma época de pouco dinamismo econômico e ação do estado.
Essa visão radicalmente "isonomista" será superada na medida em que as demandas por contratos administrativos se tornarem mais vultosas e complexas. Grandes e desafiantes obras como o TAV, os aeroportos, auto-estradas, não podem ser entregues a qualquer um que vem com preço baixo e depois inicia uma roda-viva de chantagens exigindo aditamentos e revisões sem fim...

Mas agora o "estrago" está feito. As obras para a Copa estão atrasadas, e elas terão de ser cumpridas com a máxima pressão e apoio do Poder Público, inclusive financeiro. Não é de se surpreender que, além dos generosos empréstimos do BNDES e recursos dos fundos públicos de pensão, os governos federal, estaduais e municipais irão participar do custeio, provendo infra-estruturas complementares e até recursos fiscais. Em troca, os aeroportos poderão dinamizar as economias locais, fato esse pouco aproveitado pelos municipios dos aeroportos (Guarulhos, Campinas, por exemplo), que até vem lutando contra o aeroporto, de forma oportunistica e eleitoreira (redução de horários de funcionamento, tolerância para a invasão de espaços de reserva de crescimento de aeroportos, etc.). Além disso, um grupo novo de atores nacionais e do mundo emergente poderão entrar em cena e reduzir nossa dependência dos grandes conglomerados financeiros e construtivos do Norte.

O importante é ter essas obras concluidas e gerenciadas de forma eficiente e profissional. E é para isso que existem as concessões, independentemente da origem dos recursos. Sempre tem pregado neste site que o recurso à iniciativa privada não é uma estratégia de financiamento e sim de gerenciamento. Além disso, ela não é apropriada para resolver rapidamente impasses infra-estruturais.

Quanto à luta política e ideológica, ela tem de ser trazida, sim, para comparação dos resultados concretos em termos de realização de investimento, qualidade de serviços e tarifa. Até agora, quem está perdendo na comparação são justamente os tucanos...

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