quinta-feira, 22 de março de 2012

The Economist Intelligence Unit, Brasil: uma crise em fermentação


Dilma fala duro no exterior, reluta em conceder favores a políticos da coalizão e não aceita críticas quando o orgulho nacional é ofendido. Foto: Wilson Dias/ABr
Enquanto a presidente Dilma Rousseff mostrava os músculos em uma visita à Europa no início deste mês, sua posição política em casa sofria uma pressão crescente. Ela fez alterações em importantes cargos de liderança no Congresso, apostando em retomar a iniciativa e conter uma rebelião nas fileiras de sua coalizão. No entanto, as relações com os legisladores e partidos aliados provavelmente serão frágeis durante todo o seu mandato, o que vai retardar ou desviar completamente parte de sua agenda legislativa.
Rousseff vem falando duro no exterior. Ela criticou o que chamou de “guerra monetária” e “tsunami financeiro” desfechados por países desenvolvidos através de suas políticas monetárias brandas. Ela também adotou uma posição firme contra a Fifa — Federação Internacional de Futebol — durante uma forte polêmica, depois que uma autoridade da Fifa fez comentários desfavoráveis sobre os preparativos do Brasil para a Copa do Mundo de 2014. O incidente sem dúvida vai atrasar a votação no Congresso da Lei Geral da Copa (que define os regulamentos a ser aplicados na Copa das Confederações em 2013, assim como na Copa do Mundo), que deveria estar concluída em março. No entanto, mostra que o governo de Rousseff não aceita as críticas com leveza, especialmente quando o orgulho nacional é ofendido.
Internamente, porém, Rousseff enfrentou um crescente descontentamento dentro de sua grande coalizão de governo, que beirou a rebelião aberta no Congresso. O estilo de governar às vezes abrasivo da presidente não a ajudou a cimentar sua base de apoio frágil e fragmentada. Na tradição política brasileira, ela dirige uma coalizão de mais de uma dúzia de partidos políticos, o que exige uma constante barganha para manter a coesão e a submete a grande instabilidade.
Outro estilo de administração
O antecessor de Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva, negociava com seus aliados e concedia vantagens e prerrogativas para mantê-los satisfeitos. Rousseff, por sua vez, é inclinada a concentrar o poder na presidência e reluta em conceder favores políticos a membros dos partidos da coalizão. Diante de sua própria agenda para melhorar a eficiência do governo e acelerar a execução do programa, ela tem dificuldade para satisfazer os diferentes grupos, desde o grande e central Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) a pequenos, como o Partido Republicano Brasileiro (PRB).
Rousseff tentou diminuir as tensões com o influente PMDB, o partido de seu vice-presidente, Michel Temer, e de vários ministros de gabinete. No entanto, líderes do PMDB no Congresso e de outros aliados (como o Partido Socialista Brasileiro, PSB, e o Partido Democrático Trabalhista, PDT) tornaram-se irrequietos, considerando Rousseff distante demais e não receptiva a seus pedidos de indicação para o governo. No final de fevereiro, a maioria dos deputados do PMDB na Câmara (45 de 76) assinou um manifesto queixando-se de que eram tratados como um “partido de segunda classe” pelo Partido dos Trabalhadores (PT) de Rousseff.
As tensões no Congresso se aguçaram no início de março, quando o Senado rejeitou o nomeado pela presidente para dirigir uma agência reguladora dos transportes. Isso também sugere que a ministra das Relações Institucionais, Idely Salvatti, foi ineficaz em seu papel de coordenar a presidência com o Congresso.
 Gestão da crise
Rousseff está tentando conter a rebelião e recuperar a iniciativa no Congresso para impor sua agenda legislativa. Em meados de março, ela indicou novos líderes do governo em cada casa do Congresso — um do PT (Arlindo Chinaglia) na Câmara e um do PMDB (Eduardo Braga) no Senado — na tentativa de melhorar as relações com os legisladores. Isso poderá ajudar a acalmar as coisas, pelo menos por enquanto.
Braga pertence à facção do PMDB que se sentia distante de Rousseff, portanto vai ajudar a diminuir as tensões. Mas a indicação de Chinaglia levantou especulações de que Rousseff poderia apoiar sua candidatura ao cargo de presidente da Câmara. Este é ocupado atualmente por um membro do PT, e o PMDB espera consegui-lo. Se não o fizer, o atrito entre Rousseff e o PMDB poderá reacender.
Desempenho legislativo misto
Essa situação teve consequências para o desempenho legislativo do governo. Ele sofreu um revés no ano passado sobre o Código Florestal, quando a Câmara dos Deputados aprovou uma versão da lei com emendas às quais a presidente se opunha. O novo texto está em negociação no Senado, mas a crise política em fermentação complica os esforços do Executivo para adaptar a lei de volta ao que era.
Antes que seus problemas políticos começassem a crescer, o governo fez algum progresso em uma importante reforma estrutural. A Câmara aprovou (por grande maioria) a reforma da aposentadoria dos funcionários públicos, conhecida como Funpresp, o que ajudará a controlar a futura carga de pensões pagas pelo Estado. Esta reforma foi na verdade votada pela primeira vez em 2003, mas nunca foi implementada por Lula e é um importante marco político. A reforma seguiu para o Senado, onde deverá ser aprovada com o apoio da oposição — mas somente depois que se dissipar a recente atmosfera rebelde.
Novos debates sobre o Código Florestal (que trata da propriedade da terra e de reflorestamento, e tem a oposição de ambientalistas) e sobre a Lei Geral da Copa poderão sofrer atrasos. A Lei da Copa foi inicialmente aprovada por uma comissão especial da Câmara, mas teve de voltar à estaca zero devido a um erro de procedimento no Congresso. Outras leis pendentes de votação são um novo código de mineração, um projeto de propriedade da terra e legislação que determina como serão distribuídas as receitas do petróleo do pré-sal.
 Situação em fluxo
Os fatos dos próximos dias e semanas vão determinar se Rousseff conseguirá recuperar o controle e os votos legislativos de que precisa, talvez cedendo mais às exigências de seus parceiros, ou se a inquietação se agravará, talvez com alguns partidos desertando (os senadores do pequeno Partido da República romperam fileiras com a coalizão de governo há uma semana). A aproximação das eleições de meio de mandato, em outubro, vão complicar as coisas, por isso Rousseff gostaria de ver progresso bem antes delas, se possível. Existem até conversas sobre trazer Lula, que acaba de ser liberado do hospital depois de uma última rodada de tratamento contra o câncer, para tentar remendar as relações com membros da coalizão.
Mesmo que a atual rebelião seja contida, porém, as difíceis relações de Rousseff com o Congresso provavelmente se estenderão por toda a sua presidência. Isto se deve tanto à natureza complexa da formação de coalizões quanto à política de benesses do fragmentado sistema político brasileiro, e também à falta de disposição geral da presidente a distribuir os privilégios e cargos-prêmio esperados por seus parceiros. Enquanto ela tiver um alto índice de popularidade, como agora, poderá se manter no comando e conquistar alguns êxitos. No entanto, se sua posição junto ao público em geral deteriorar, seus parceiros de coalizão, farejando sangue, poderão intensificar suas exigências, mesmo sob o risco de deflagrar uma crise política em grande escala.

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