quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Deportaram? Deportaremos



Elio Gaspari, O Globo
Fora do mundo do palavrório, a diplomacia da doutora Dilma praticou o primeiro gesto prático na defesa dos cidadãos brasileiros: comunicou ao governo espanhol que a partir de abril seus viajantes que chegarem aos aeroportos de Pindorama deverão cumprir as mesmas exigências que são feitas aos brasileiros que descem em Madri. A saber: comprovar que têm pelo menos US$ 100 para cada dia de permanência, ou crédito disponível no cartão, reserva de hotel quitada, mais passagem de volta. Quem não o fizer será deportado.
A truculência da polícia espanhola e o descaso (ou desprestígio) de seu serviço diplomático obrigaram o governo a dar aos espanhóis o mesmo tratamento recebido pelos brasileiros. A providência veio com três anos de atraso.
Até agosto de 2011, 1.005 brasileiros foram impedidos de entrar na Espanha. Nenhum dos dois países exige vistos de entrada e a polícia espanhola argumenta que cumpre a legislação comum da União Europeia. É verdade, mas desde 2008 o governo e o Congresso brasileiros reclamam de episódios exorbitantes.
Houve casos de professores brasileiros deportados quando desceram em Madri a caminho de Lisboa. Em 2003 uma pesquisadora da USP ficou três dias numa pequena sala, com outras trinta pessoas, dormindo no chão. Anos depois a sala tinha 30 metros quadrados, com 300 detidos.
Numa ocasião, seus beliches eram compartilhados por homens, mulheres e crianças. Banho? Nem pensar.
Jamais houve um pedido de desculpas. Nem mesmo ao padre a quem um policial perguntou se o que tinha na mala era uma fantasia de carnaval. Eram paramentos litúrgicos.
Não seria justo julgar a civilidade do governo espanhol a partir dos modos dos policiais do aeroporto de Barajas. Eles estão lá para impedir a entrada de pessoas que pretendem viver na Espanha sem a devida documentação.
Há quadrilhas que exploram mulheres levando-as para a Europa (o tio da duquesa de Cambridge orgulha-se de ter um plantel de brasileiras disponíveis em Ibiza). Há também europeus grisalhos que vêm sozinhos para as praias no Nordeste.
Em 2008, num sinal de que o governo brasileiro poderia reagir, sete turistas espanhóis foram barrados em Salvador. Não se conhecem as gestões dos embaixadores espanhóis junto a seu governo.
Para o público brasileiro, insistiram em dizer que a Espanha segue a legislação europeia e as reclamações das vítimas eram “superdimensionadas” pela imprensa, até mesmo com “manifestações (...) inteiramente fora de propósito”, como escreveu o embaixador Carlos Alonso Zaldívar.
Faltou-lhe sorte. No mesmo dia chegara ao Brasil um plantel de deportados que passara dois dias detido, sem acesso a bagagem de mão, remédios, sabonete ou escova de dentes. (Numa das refeições, serviram-lhes sardinhas.)
Durante três anos o Itamaraty mostrou seu desconforto. Ou o serviço diplomático espanhol não conseguiu fazer com que seu governo entendesse o que estava acontecendo ou, tendo entendido, ele achou que a última palavra devia continuar com a meganha de Barajas.
Com a reciprocidade de exigências, os dois governos podem entrar numa competição saudável: passam a tratar direito os viajantes que apresentam documentação julgada insuficiente e não servem sardinhas a quem não pode escovar os dentes.

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