quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012


Ministro Padilha, o erro não foi da ONU e sim do Estadão

por Conceição Lemes
RECIFE – O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, contestou informações divulgadas pela Organização das Nações Unidas segundo as quais 200 mil mulheres morrem anualmente no Brasil por causa de abortos de risco. Ele acredita que pode ter havido confusão com outro dado, já que cerca de 200 mil mulheres se submetem a curetagens por ano no Brasil, procedimento muito utilizado após o processo abortivo.
A ONU cobrou posição do governo brasileiro durante a 51ª sessão do Comitê Para a Eliminação de Discriminação Contra as Mulheres, que ocorreu essa semana em Genebra, quando a perita suíça Patrícia Schulz pediu esclarecimentos ao governo brasileiro, sem poupar críticas. “O que vocês vão fazer com esse problema político enorme que têm”?
O ministro Padilha pautou-se por esta matéria publicada pelo O Estado de S. Paulo para questionar os dados da ONU.
Só que os dados publicados pelo Estadão não correspondem aos apresentados  pela perita suíça Patrícia Schulz na 51ª sessão da Convenção Para a Eliminação de Discriminação Contra as Mulheres (Cedaw, sigla em inglês), da ONU.
A jornalista e cientista social Telia Negrão postou o seguinte sobre o assunto no Facebook:
Telia entende do tema e esteve em Genebra, participando da 51ª sessão da Cedaw. Integra o Conselho Diretor da Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e o Conselho Consultivo da Rede de Saúde das Mulheres Latinoamericanas e do Caribe.
“Eu fui reportando exatamente o que os peritos iam informando”, acaba de me confirmar Telia Negrão. “Todos esses números, aliás, estavam disponíveis nos documentos das Nações Unidas divulgados na Cedaw.”
“Está evidente que houve um equívoco do jornalista do Estadão no uso dos dados sobre aborto no Brasil. A perita Schultz  falou em 200 mortes e 200 mil internações hospitalares, e sabia muito bem do que estava falando”, adverte Telia. “As experts do comitê se destacam justamente pela elevada qualificação e  por consultar o tempo todo os relatórios, atrás de fontes confiáveis. O nível dos debates não deixa nenhuma dúvida sobre isto, cobrando do Brasil a melhoria da qualidade das informações, indicadores mais claros e precisos quanto ao monitoramento das suas políticas, dados desagregados por raça, etnia, local de moradia, deficiência, entre outros.”
“Uma regra básica do jornalismo é checar os dados, o que não foi feito, lamentavelmente, incorrendo-se em equívoco e má informação”, observa Telia. “Meu post no facebook, elaborado online do plenário da sessão da Cedaw, inclusive com um erro de concordância pelo afogadilho online, dá os dois dados, como foram falados pela perita.”
Telia Negrão na 51ª sessão da Cedaw: a primeira (de óculos) da esquerda para a direita
Em português claro:  O Estadão e ministro Padilha se equivocaram. No caso do jornal, o engano pode ter sido do repórter, mas não é impossível que a falha seja de edição. O repórter apurou e passou os dados corretos, mas a informação foi alterada na redação.
Por ano ocorrem no Brasil cerca de 1.800 casos de mortes maternas. Desses, aproximadamente 11,4% se devem a aborto, o que significa 205 óbitos por aborto. Ou seja, 200, em números arredondados. Os 200 mil referem-se ao número de mulheres que buscam hospital por ano devido a aborto.
“O erro é grotesco mas intrigante. A  matéria foi escrita por um jornalista qualificado e traz  detalhes, inclusive cita trechos da fala da perita Schulz mas curiosamente se equivoca em relação às mortes por aborto”, observa  Sonia Corrêa, pesquisadora da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) e co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política. “Também me parece inadequado, para não dizer muito descuidado, que o Ministro responda aos dados errados do jornal, sem antes verificar o que de fato teria dito o Comitê. É sobretudo preocupante e grave que use o dado errado para desqualificar o trabalho das expertas da Cedaw.”
“A perita suíça Patrícia Schulz, da  Cedaw, se pronunciou a respeito dos dados fornecidos pelo nosso governo, ou seja, uma estimativa anual de 200 mil internações hospitalares por abortamento e 200 óbitos por aborto”, reforça a médica Fátima Oliveira. “Logo, suas críticas e recomendações  estão baseadas no que apresentamos e  não podem ser vistas como decorrentes de análises de dados errados.”
Fátima então arremata: “O governo não pode se escudar em erros de dados veiculados pela mídia para se eximir de fazer o que deve: cuidar da saúde das cidadãs brasileiras com dignidade, coisa que  não tem feito parte do cotidiano das brasileiras”.

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