Autor:
Luis NassifNas próximas décadas, muitos historiadores e cientistas sociais se debruçarão sobre o perfil de Lula, para entender as nuances políticas e pessoais que determinaram sua trajetória - especialmente no intenso período entre a primeira eleição e o segundo mandato, passando pelo "mensalão".
Lula assumiu cercado por grupos dintintos de aliados: os sindicalistas, os militantes de esquerda do partido e os amigos próximos, não sindicalistas.
O relacionamento com o primeiro grupo é conhecido: bate boca, xingamentos, abraços, rude franqueza e um senso de lealdade e amizade insuperáveis.
Com o segundo grupo, liderado por José Dirceu, sempre houve um relacionamento tenso, de aliados eventuais. No início do governo Lula, aliás, Dirceu se comportava quase como um governo paralelo. E Lula suportava devido à inegável importância de Dirceu para o enquadramento do arquipélago PT no detestado e, muitas vezes inevitável, centralismo democrático.
O surpreendente nessa história é a possível visão que o segundo e terceiro grupo tinham de Lula.
Para o segundo grupo, Lula não passava de um classe média do ABC, mais preocupado em comprar um carrinho novo do que em mudar o país. Já alguns do terceiro grupo julgavam que poderiam mudar o Brasil... através de Lula, como se o amigo não tivesse ideias próprias e fosse sugestionável.
Nao os culpe por esses erros de avaliação.
Lula sempre procurou se colocar acima das quizilas do PT, para atuar como poder moderador. Deixava o pau comer e depois se apresentava como a figura acima das disputas. Provavelmente devido a essa posição, pode ter passado a impressão de que se contentaria em ser uma figura decorativa.
Já com o terceiro grupo jamais se envolveu em grandes discussões, dada sua condição de amigos pessoais sem pretensões político-partidárias. Contentava-se em contar com seu afeto e beber nas suas informações. Mas certamente o desgostava o uso das prerrogativas de amigo para discutir as grandes questões nacionais. Lula é de muito ouvir mas não tem tempo para as tertúlias de intelectuais, dos questionamentos infindáveis. Quando decide, decide e passa para o tema seguinte.
Depois do terremoto do "mensalão", Lula se desvencilhou dos dois últimos grupos e passou a se aproximar de pessoas com quem, no início, mantinha uma relação rigorosamente formal.
Uma delas foi Franklin Martins. Um ex-assessor, amigo de Lula me dizia que Franklin era a única pessoa, do convívio diário, que não levava os famosos "esporros" de Lula. Ambos se tratavam por "senhor", "senhor presidente" para cá, "senhor ministro" para lá. Ficaram grandes amigos depois. E, em reconhecimento, Lula se refere a Franklin como "meu Pelé". No governo, a relação foi estritamente formal.
Outra relação rigidamente formal foi com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Acabaram se tornando grandes amigos posteriormente, amizade forjada na batalha do segundo governo.
Lula preza imensamente as relações pessoais e o sentido de lealdade pessoal. Dilma é um perfil mais tachteriano de olhar as pessoas - políticos, aliados, jornalistas - como peças do jogo, a quem recorre ou deixa de lado de acordo com as circunstâncias. Não é de se importar com melindres que possa causar. A cada dia que passa, há mais pessoas acumulando mágoas de Dilma. Se não vier a enfrentar crise política mais grave, ela poderá esnobar os ressentimentos.
Lula será sempre amado (ou odiado); Dilma, respeitada.
A formação política de ambos explica parte dessas diferenças: Lula moldado nas lutas sindicais e nas campanhas eleitorais; Dilma na guerra implacável da clandestinidade.
Lula é extremamente afetivo. Daí a razão de, no futuro, se quiserem de fato saber o que foi o governo Lula, os historiadores terão que mergulhar nesse universo de relações afetivas que o acompanhou até pelo menos o fim do primeiro mandato. E com o qual rompeu exclusivamente por obra e graça desse assessor dos grandes momentos, o Sr. Crise. No caso, manifestando-se através do "mensalão".
Nenhum comentário:
Postar um comentário