terça-feira, 25 de outubro de 2011

A astúcia do “poste”


Este blog tem sido crítico em relação ao governo Dilma. Apesar de alguns pensarem que aqui não se critica o governo por acharem que crítica é fazer acusações de corrupção sem provas, crítica não é isso. Aqui não se faz oposição partidária, como a mídia, mas críticas objetivas à condução política do governo e quaisquer outras que eventualmente precisem ser feitas.
Aqui se faz até críticas à condução administrativa desse governo. Por exemplo, no que diz respeito ao processo de construção de um marco regulatório para as comunicações, do qual o governo Dilma tem se omitido de uma forma inaceitável em um momento em que o mundo discute regras e leis para a mídia.
Só aqui na América do Sul, Argentina, Bolívia, Equador, Uruguai, Paraguai e Venezuela já reformularam – ou estão reformulando – suas legislações sobre a matéria, adequando as leis aos novos tempos da comunicação digital. Estão muito à frente do Brasil, nesse quesito civilizatório e republicano que é extinguir castas privilegiadas.
Aliás, o país de Primeiro Mundo que têm uma das legislações mais brandas entre seus pares, a Inglaterra, está equacionando novas regras inclusive para conteúdo dos veículos impressos, que, antes, era autorregulado por eles e que, em breve, deve deixar de ser.
A condução política e a Comunicação do governo Dilma também são ruins. O governo se manifesta pouco e de forma ambígua e despolitizada em busca de se converter em uma espécie de repartição pública, apesar de que governos são eleitos e sustentados pela política e de que governo nenhum é apolítico como este parece tentar se mostrar.
Todavia, não se pode deixar de constatar, em nome da honestidade intelectual, que da última investida da mídia partidarizada contra o governo Dilma, agora em relação ao ministério do Esporte e ao seu titular, transpareceu estratégia política que, ao menos desta vez – e meramente até aqui –, parece que vai dando certo.
Dilma fala pouco sobre política e só quando provocada e o governo silencia quando explode a gritaria dos adversários políticos assumidos e enrustidos, o que permite à mídia colocar palavras na boca e na pena da presidente da República como fez agorinha mesmo, quando noticiou à farta a demissão do ministro do Esporte, Orlando Silva.
Ano passado, porém, durante o processo eleitoral, os colunistas e comentaristas da grande mídia, em uma exibição deprimente de engajamento político, cunharam para a atual presidente a alcunha depreciativa “poste”, aludindo a que, no poder, ela se tornaria uma títere do ex-presidente Lula, o que, mais uma vez, os fatos negam.
Tome-se a relação de Dilma com a mídia partidarizada e enrustida ou com os inimigos políticos assumidos. Todos dedicam um ódio e uma fixação patológicos a Lula. Dilma, porém, vai às festas dos meios de comunicação que tanto a detrataram e ao seu padrinho político – o termo “padrinho” é lícito porque quem a elegeu foi o antecessor – e hoje mesmo ela recebe, na residência oficial, o líder máximo dos desafetos de Lula, Fernando Henrique Cardoso.
Parece lógico inferir que, se Lula controlasse Dilma, essa relação entre ela, de um lado, e a mídia e a oposição de outro, seria mais parecida com a que ele teve…
Uma das frases que marcaram a era Lula, aliás, foi dele mesmo. O ex-presidente dizia, reiteradamente, que se orgulhava de nunca ter almoçado ou jantado com donos de meios de comunicação durante a sua Presidência. Aliás, este blogueiro ouviu isso dele pessoalmente quando o entrevistou no Palácio do Planalto, ano passado.
Brasileiro pode não ter memória política para fatos, mas as picuinhas políticas ficam gravadas. Quando se passa meses a fio chamando uma personagem política de “poste” em jornais, rádios, televisão e na internet, como foi durante o ano passado, isso fica, sim, na cabeça das pessoas.
Como todos sabem que Lula e FHC são adversários, ver Dilma e o tucano confraternizando diz muito sobre aquela história midiática de que, se eleita, ela se tornaria um joguete. O que alguém lhe diz e que não se confirma vai tirando, pelo menos em seu inconsciente, a confiança que você tinha em quem disse, sobretudo se acreditou anteriormente nesse alguém.
Esse desmentido factual da mídia aconteceu de novo, agora de forma mais explícita e instantânea. No último fim de semana, a mídia foi infestada pela “demissão” virtual do ministro Orlando Silva. O blogueiro da Veja, Reinaldo Azevedo, chegou a garantir, no sábado, que de segunda-feira ele não passava, como ministro.
Ontem à tarde, a caminho de casa, o blogueiro estaciona o carro diante de um botecão para comprar cigarros. Um grupo de senhores maduros, mais para idosos, tomava cerveja e conversava. Enquanto esperava para ser atendido pelo caixa do estabelecimento, percebeu que debatiam, acaloradamente, se Orlando Silva ainda era ministro ou não.
Um deles garantia que a nora, que dizia “bem informada, havia lhe comunicado que lera “no jornal” que o “negão” não era mais ministro, ao que outro afiançava que a informação estava errada, que o Jornal Nacional dissera que o ministro continua no cargo. E emendou: “Cada hora dizem uma coisa”.
É curioso como na era da informação este país se vê tão pouco informado. As novas tecnologias deveriam fazer com que os que se interessam pela informação pudessem se informar como nunca fora possível. Todavia, o que acontece hoje é o contrário. Cada vez mais as pessoas duvidam de informações porque, ao que um diz, o outro desdiz. Sobretudo em política.
Pensando bem, no entanto, talvez isso seja bom, porque informações polêmicas precisam de questionamento e de múltiplas versões.
Prossegue, no entanto, a dúvida deste blog em relação ao acerto da estratégia política de Dilma. Mas, astuciosamente, desta vez ela deixou a mídia “rasgar a camisa”, como diz uma amiga, ao investir dessa forma descontrolada contra o governo, chegando ao absurdo de anunciar a demissão de um ministro. E depois a deixou se estatelar ao mantê-lo no cargo.
O episódio conferiu credibilidade a afirmações quase inaudíveis de Dilma – por conta da baixa ou distorcida divulgação da mídia – de que os outros ministros não foram demitidos, de que saíram porque quiseram e de que, se quisessem, poderiam ter permanecido nos cargos, pois ela os teria mantido, e de que só saíram porque fraquejaram diante dos ataques da mídia às suas famílias.
Dilma, porém, aprimorou a sua estratégia. Apesar de poucas declarações, desta vez ela manifestou um apoio bem maior a um ministro na berlinda midiática, por mais que tenha condicionado esse apoio ao não surgimento das provas que a revista Veja e seu delator haviam prometido contra Orlando Silva e que garantiam que iriam “nocauteá-lo”.
Seja como for, ontem a mídia se arrebentou ao ter sido obrigada a divulgar matéria como a que saiu no portal G1 no meio da tarde, que reconhecia, já no título, que Policial diz que não tem provas específicas contra Orlando Silva. Mais à noite, no Jornal Nacional, a reportagem sobre o caso tampouco pôde fugir de reconhecer o mesmo.
No alto da página, imagem da capa da revista Época em uma edição publicada no fragor da disputa eleitoral do ano passado, em que Dilma aparecia fazendo uma pergunta que, neste momento, adquire um sentido especial: “Você acha que sou um poste?”. Se tivesse que responder, diria que, de “poste”, essa mulher que governa o Brasil não tem nada.

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